Tempo de leitura: 9 minutos
A pandemia do coronavírus (COVID-19) impactou diversos setores da economia. Não foi diferente no setor de construção civil e montagem eletromecânica.
O isolamento da população e a restrição no funcionamento das empresas foi adotado não somente no Brasil, mas em diversos outros países. Mesmo que a obra não seja paralisada, a pandemia tem o potencial de causar atrasos na entrega de materiais, aumento do preço de insumos, afastamento de colaboradores, etc.
Nessa situação, o que o empreiteiro deve fazer? Uma pandemia, tal como a do coronavírus, permite uma extensão de prazo ou ressarcimento dos custos adicionais numa obra?
Bom, isso depende das cláusulas do contrato. Eu sei que parece uma resposta de advogado, mas de fato depende dos termos e condições do contrato.
A boa notícia é que a grande maioria dos contratos de empreitada pactuados no Brasil possibilitam que o prazo de conclusão das obras seja prorrogado e que o empreiteiro seja ressarcido em caso de força maior ou caso fortuito que cause um desequilíbrio econômico-financeiro no contrato.
Nesse sentido, vamos analisar tanto a legislação sobre o assunto quanto algumas cláusulas contratuais presentes em contratos de empreitada.
Sumário
Caso Fortuito e Força Maior no Código Civil
O Código Civil1 prevê que o empreiteiro não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
A partir da análise do dispositivo legal, uma reivindicação nesse sentido deve demonstrar que tal fato representou caso fortuito ou força maior, ou seja, um evento imprevisível e inevitável ou ainda com consequências imprevisíveis e inevitáveis.
Assim, a pandemia do coronavírus é uma situação que pode, em diversos casos, ser caracterizada como um caso fortuito ou força maior. Inclusive, a gravidade do problema levou o governo do Brasil a declarar estado de calamidade pública.
Portanto, salvo expresso de forma contrária no contrato, em obras executadas para um cliente privado geralmente é possível obter uma extensão do prazo e o ressarcimento dos custos adicionais associados aos impactos causados por uma pandemia.
Caso Fortuito e Força Maior em Obras Públicas
A Lei de Licitações2 prevê a alteração dos contratos de obras públicas em caso de força maior ou caso fortuito:
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
II – por acordo das partes:
(…)
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
No mesmo sentido, o art. 57 da Lei de Licitações permite a extensão do prazo da obra caso ocorra fato excepcional ou imprevisível que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato.
Além do espalhamento do coronavírus poder ser caracterizado como um caso fortuito ou força maior, as restrições impostas pelo governo caracterizam-se como Fato do Príncipe, reforçando o argumento de um pleito.
Eventos excepcionais nos Contratos FIDIC
O modelo de contrato mais utilizado fora do Brasil em grandes projetos de construção civil é o publicado pela Federação Internacional de Engenheiros Consultores (FIDIC) em seu Livro Vermelho. Esta publicação apresenta condições gerais de contratos de empreitada em que a responsabilidade pelos projetos executivos é do dono da obra (contratante).
Nesse modelo de contrato, a alocação de riscos é realizada de modo que cada um dos riscos são assumidos pela parte que está melhor posicionada para assumi-lo. Outra característica interessante é a existência de um procedimento detalhado para apresentação de pleitos.
Embora não seja ainda muito utilizado no Brasil, a tendência é que cada vez um número maior de empresas adote os modelos de contrato sugeridos pela FIDIC.
A seguir iremos analisar as Condições Gerais da segunda edição do Livro Vermelho3. Na edição publicada em 2017 o termo Força Maior foi substituído por Evento Excepcional, mas o conceito foi mantido.
Em primeiro lugar, a Subcláusula 8.4 permite a prorrogação do prazo de conclusão caso haja uma escassez imprevisível de mão de obra ou de recursos causados por ações governamentais ou epidemias. Essa cláusula dá o direito à extensão de prazo, mas não ao ressarcimento de custos adicionais.
Em segundo lugar, a Contratada também tem direito à prorrogação do prazo sob a Subcláusula 18.4 que trata das consequências de eventos excepcionais. Para que um evento seja considerado excepcional, as condições contidas na Subcláusula 18.1 devem ser atendidas.
Para que o evento seja considerado excepcional, deve ser demonstrado que a parte afetada não era capaz de prever seus efeitos antes da assinatura do contrato. No caso de uma epidemia, a Subcláusula 18.1 estabelece que haja uma ampla restrição na circulação de pessoas e não apenas à mão de obra do empreiteiro e de seus subcontratados.
Basicamente, o dono da obra tem a obrigação de ressarcir a contratada caso a pandemia seja considerada um evento excepcional nos termos da Subcláusula 18.1.
Como em qualquer reivindicação, deve ser realizada uma análise de causalidade. Por exemplo, um pleito deveria incluir respostas às seguintes perguntas:
- Como o vírus afetou as atividades do contratado e dos subcontratados?
- Quais atividades foram ou provavelmente sofrerão atrasos?
- As atividades afetadas estão no caminho crítico?
- É possível demonstrar o efeito dos atrasos e prever o efeito no prazo de conclusão das obras?
- A contratante foi notificada tempestivamente de acordo com os termos e condições do contrato?
- A contratada possui registros que comprovem os efeitos dos atrasos?
- Quais foram os custos adicionais decorrentes da pandemia?
Em algumas obras, uma pandemia pode causar apenas uma perda de produtividade pontual na execução de determinadas atividades. Porém, tem sido frequente o afastamento de colaboradores infectados e de colabores que tiveram contato com algum caso confirmado. Isso gera custos adicionais significativos devido à redução do efetivo na obra.
Nos piores casos pode haver uma paralisação total que pode culminar na rescisão do contrato.
Como já destacado, é recomendado que a outra parte seja imediatamente notificada de qualquer problema causado pela pandemia de modo a resguardar os direitos contratuais.
Caso a obra seja paralisada, a contratante deve ser notificada de uma eventual necessidade de desmobilização.
Assim, logo ao receber um pedido de paralisação, recomenda-se que a contratada informe quais os custos esta incorrerá com desmobilização e posterior mobilização. A situação de todos os subcontratados também deve ser levada em consideração.
Em alguns casos pode ser necessária apenas uma desmobilização parcial, mantendo-se, por exemplo, a estrutura administrativa da obra para vigilância e manutenção do canteiro de obras.
Por fim, deve ser esclarecido se as atividades dos subcontratados também devem ser paralisadas.
Conclusão
Vimos que o direito à extensão de prazo e ao ressarcimento dos custos adicionais decorrentes de uma epidemia, depende da modalidade de contratação. De qualquer forma, é necessário demonstrar que tal fato é caracterizado como um evento excepcional, caso fortuito ou força maior.
Cabe ressaltar que não é sempre que uma pandemia pode ser caracterizada como evento excepcional. Por exemplo, pode-se alegar que o contratado era capaz prever os riscos em um contrato assinado após a declaração de calamidade pública pelo governo. Nesse caso, este deve assumir os riscos, uma vez que o problema já é conhecido e seus efeitos são, em alguma medida, previsíveis.
Em contratos de obras públicas, caso seja caracterizado força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, a Administração é responsável pelo ressarcimento dos custos adicionais decorrentes da pandemia.
Já em contratos firmados com clientes privados, deve ser realizada uma análise dos termos e condições contratuais. Como visto anteriormente, sendo o contrato omisso em relação a assunção de riscos oriundos de caso fortuito e força maior, o Código Civil isenta o empreiteiro da responsabilidade pelos prejuízos decorrentes da pandemia.
A pior coisa que você pode fazer é ignorar o problema. Se você acha que tem o direito de fazer uma reivindicação, envie as notificações de acordo com os termos do contrato e apresente um pleito o mais rápido possível. Geralmente, quanto mais cedo é enviada a reivindicação, maiores as chances de sucesso.
Caso tenha ficado alguma dúvida, poste nos comentários.
Notas de Rodapé
- Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
- Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993. Institui normas para licitações e contratos da Administração Pública.
- FIDIC. Condições Contratuais para Trabalhos de Construção: Recomendadas para Trabalhos de Construção e Engenharia Projetados pelo Dono da Obra. 2ª edição. Geneva: FIDIC, 2017.
Link permanente
Excelente artigo! Didático e muito elucidativo.